neste espaço reúnem-se textos que me podem servir de apoio, de várias áreas: pintura, escultura, ourivesaria, iconografia, iconologia, heráldica, emblemática, arquitectura, peritagem e avaliação de obras de arte, conservação e restauro...
nas numerosas citações, os direitos de autor são sempre respeitados, e peço a quem os usufrua, que também o faça.

A Viagem das Formas




A Viagem das Formas
Pedro Dias
Lisboa
Editorial Estampa
1995
ISBN 9789723311525




A apresentação aqui feita deste livro é parcial, havendo artigos que não vou abordar.

O autor reúne nesta obra textos que incidem sobre a circulação de influências estéticas por via da mobilidade dos artistas, nomeadamente as novidades da Flandres e Itália, pela importação e exportação de obras de arte e pela propagação de tratados e gravuras, as quais permitiam o conhecimento das novidades técnicas sem haver necessidade de deslocação geográfica.
Para compreender este movimento é necessário, como diz o autor “entrar por todos os campos da actividade humana, da cultura à economia, das relações diplomáticas à mentalidade, do gosto e da moda às inovações tecnológicas, da religião aos movimentos migratórios, etc.” (p 9)

I - Os artistas e a organização do trabalho nos estaleiros portugueses de arquitectura, nos séculos XV e XVI
Neste estudo analisa as mutações que ocorreram e que foram impulsionadas pelo aparecimento do livro, como a autonomização das funções do arquitecto e mestre-de-obras. Se em Itália começou em meados do século XV, nós só o conhecemos um século depois, e aí o mestre que concebia a igreja ou palácio, passou a designar-se de arquitecto.
Desde a Idade Média, uma obra que estivesse a ser dirigida por um mestre de prestígio, influenciava as outras que se faziam à sua volta. E como eram empreitadas que se prolongavam no tempo e envolviam muita gente, apareciam escolas ou centros regionais de arquitectura. “A Historiografia ainda hoje reconhece estas entidades, e por isso fala em escola burgalesa, escola sevilhana ou escola coimbrã, para evocar maneiras peculiares da arte de construir (…). Durante o século XV e as primeiras décadas do século XVI, na unidade dos estilos houve pluralidade de maneiras, que só a custo a ditadura da tratadística conseguiu esbater.” (p 17) “A criação de escolas regionais e a sua expansão ficaram assim ligadas à organização do trabalho e ao sistema de aprendizagem, isto é, à transmissão pessoalizada dos conhecimentos.” (p 31)
Durante a primeira metade do século XVI, conhecido como “século dos tratados”, assiste-se à mudança na organização do trabalho nos grandes estaleiros de arquitectura. Pedro Dias faz uma descrição pormenorizada do estaleiro do Mosteiro de Santa Maria da Vitória no século XV. No século seguinte é o Mosteiro dos Jerónimos que dita as regras e as modas, com os artistas a viajar de um estaleiro para outro, “espalhando as formas”.

II – Uma “construção italiana” em Portugal: o Seminário de Coimbra
Para a determinação das traças e da espacialidade dos edifícios o autor lembra três conceitos: o de influência através dos tratados, estampas e dos apontamentos das visitas dos arquitectos; a transferência estética, casos raros em que ocorreu uma importação de praticamente todo o edifício, bem como da sua escultura e pintura, e “o que não podia ou não convinha vir construído, era trazido em projecto” (p 40); e o conceito de identidade, que apesar de o autor não o especificar, julgo tratar-se dos elementos que persistem nas obras nacionais, independentemente da arte de transição, como por exemplo a persistência do azulejo e da talha.

III – As empresas artísticas do Infante D. Henrique (1394 – 1460)
Para o homem do fim da Idade Média, a arte tinha uma função didáctica: tornar mais bela a casa de Deus, invocar a vida dos santos e educar os analfabetos, picura est laicorum litteratura.
Mas tinha também uma função utilitária: servia para o senhor se afirmar, e alcançar a bênção divina para a vida eterna.

IV – A expansão da arquitectura europeia na América do Sul; o caso de Minas Gerais

V – Odart, um escultor francês do Renascimento, em Espanha e Portugal

VI – Peregrinação e regresso. A memória da viagem na arte funerária da época dos Descobrimentos
Perante a encomenda de obras de arte registadas em fontes manuscritas e impressas dos séculos XV, XVI e XVII, o autor contextualiza-as na expansão marítima e justifica-as com o espírito filantrópico, “muitos desses homens e mulheres ofereceram pinturas, esculturas, alfaias de culto em metais preciosos a instituições religiosas, como pagamento de votos e promessas” (p 115); e para memória dos seus feitos “alguns, enriquecidos e nobilitados fizeram erigir túmulos ou panteões familiares, para glória do seu nome” (p 115).
Faz uma análise de “casos tipo” por mérito artístico ou historicamente significativos.

VII – A criação e recriação da imagem do Infante D. Henrique na época moderna
Foi aqui que tomei conhecimento que no políptico de S. Vicente de Fora de Nuno Gonçalves, que se encontra no Museu Nacional de Arte Antiga, também se questionou se é vera a figura que todos reconhecemos como sendo o Infante D. Henrique, “O Homem do Chapeirão”, que de forma idêntica se encontra na “Crónica dos Feitos da Guiné” de Gomes Eanes de Zurara (c. 1480), na Biblioteca Nacional de Paris.

 
Retrato do Infante D. Henrique da Crónica dos Feitos da Guiné de Gomes Eanes de Zurara
Iluminura da Biblioteca Nacional de Paris (c. 1480)

A discussão levantou-se na comparação destas imagens com a das esculturas do Mosteiro dos Jerónimos, em tamanho natural, apresentado como homem de armas que realmente foi, e a do Convento de Cristo em Tomar “também um homem maduro, de barbas e cabeça coroada de louro, o herói ideal, o novo Hércules”. (p 144)


Pormenor do Painel do Infante do políptico de S. Vicente de Fora de Nuno Gonçalves

 
 
Infante D. Henrique do portal sul do Mosteiro dos Jerónimos (1518-1520)
 
Nenhuma das imagens tem a sua atribuição textual, mas no século do Infante, o retrato não era documentário. Trata-se de uma evocação e de um símbolo, e não um retrato fiel. E na época moderna, o Infante ganha “uma dimensão que já não era terrena” com “uma aura de herói e santo”. (p 143)

VIII - Manuelino e Neomanuelino
Este estudo discorre sobre a arquitectura, como testemunho mais visível da actividade de gerações passadas, "documentos verosímeis", desde que bem interpretados.
A arquitectura que floresceu durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521) e os primeiros anos do governo do seu filho D. João III servem de exemplo de como a arquitectura se pode tornar o emblema de uma época, quando os monarcas, nobres e clérigos se empenham nas obras de construção.
D. Manuel tinha o poder de um imperium e acreditava que o poder de origem divina. Mas o poder tem de ser exercido e fazer-se conhecer. É aqui que "a arte, e a arquitectura em particular, foi e é um veículo excepcional, para comunicar a existência e características do poder. (…) Os símbolos da realeza de D. Manuel I (…) viam-se apostos nas fachadas e nas capelas-mores das igrejas, assim como nos frontispícios dos códices manuscritos e dos livros impressos." (p 154)
A forma  autor que esta representação se tornou numa obsessão: a esfera armilar (divisa que lhe tinha sido dada por D. João II) associada à Cruz de Cristo (da ordem militar) e as Cinco Chagas de Jesus. Esta heráldica aparecia em todo o lado, nomeadamente na arquitectura que, juntamente com a arte efémera, todos tinham acesso e absorviam a mensagem de poder.
No século XIX surge por toda a Europa o revivalismo (tendência de recuperar e reunir estilos arquitectónicos de tempos passados) criando "um outro manuelino, uma arquitectura fantasiada, vistosa, plasticamente rica, emblematicamente conveniente, pseudo-científica, que aparecia a revestir estruturas novas de palacetes, igrejas, casas burguesas (…)" (p 156)
O surto do manuelino chegou mesmo ao Brasil, tendo os portugueses que aqui viviam, bem como os que habitavam em território europeu, a mesma visão da arquitectura manuelina - prestígio e grandeza.
Mas na segunda metade do século XX, estudando os edifícios conservados, a sua morfologia, e estudando os documentos dos artigos "detectaram-se as obras realmente antigas, do início do século XVI, destacando-as das que foram acrescentadas nos anos terminais do século de Oitocentos, e foi possível, finalmente sem as paixões nacionalistas que pressionaram os intelectuais portugueses durante quase um século, perceber o que foi o surto arquitectónico da época manuelina. (…) Essas cordas, que inflamaram a fantasia dos historiadores da arte de outros tempos, tanto aparecem nos barcos como nos carros de bois; as âncoras, que os arquitectos historicistas do século passado repetiram em tantas fachadas, não se encontram em nenhuma construção realmente manuelina (…)." (p160)
Para Pedro Dias, as construções do Portugal de 500, não era diferente dos restantes países europeus. Mas existe "algo de característico que distingue o manuelino das restantes versões coevas do gótico terminal: o cariz popular da ornamentação e até, por vezes, de certos elementos das estruturas arquitectónicas." (p 164)

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