O texto que
se segue é um resumo parcial da dissertação de Maria Castro, com o intuito de
ser uma recolha dos aspetos essenciais dos retábulos neoclássicos.
Por todo o
país, a talha de finais do século XVIII começa a demonstrar tendências
classicizantes no uso das ordens, nas formas retangulares e na decoração.
Assiste-se a
uma transformação estilística que corta de modo incisivo com o tipo de produção
das obras de talhas barrocas e rococós.
A talha deste
novo estilo valoriza o carater estrutural da arquitetura (tornando-se a grande
inspiradora) e desvaloriza a ornamentação. As colunas retomam as formas
simples, com frisos lisos ou canelados. Estas sustentam entablamentos com
áticos com painéis quadrangulares, grinaldas "rígidas" e urnas de
feição clássica. Retoma-se a utilização de grotescos de inspiração renascentista
na ornamentação das superfícies dos retábulos. Abandonam-se as plantas de forma
curva e as grandes superfícies de ouro. O desenho torna-se mais clássico, mais
sóbrio e menos exuberante.
A simbologia
é relacionada com os rituais católicos: mitras, chaves de S. Pedro, cálices e
patena, etc..
Em Portugal
houve duas interpretações neoclassicistas:
·
O norte segue os cânones palladianos, ligado à
Inglaterra;
·
Em Braga, nomeadamente com Carlos Amarante e a sua
obediência vitruviana, e depois em Lisboa, encontra-se a influência romana.
O método de
trabalho mantém-se com a mesma organização e seguindo as regras estabelecidas
pelos regimentos. Para a criação de um retábulo neoclássico é necessário:
·
O desenhador do risco
·
O entalhador
·
O pintor
·
O dourador
·
O Escultor
·
Outros ofícios: carpinteiro, batefolhas, etc..
Fazendo uma
análise estrutural dos retábulos neoclássicos, estabelecem-se dois eixos
fundamentais que dividem a composição:
·
A vertente vertical é simples, devido ao "carater
absolutamente simétrico".
·
A vertente horizontal é complexa, com zonas
diferentes, composta por registos ou andares. É este eixo que permite a análise
tipológica deste tipo de retábulos. Encontramos nesta vertente 4 registos: a
base, o embasamento, o corpo e o remate.
A base
é o elemento de suporte, e nela se apoia toda a estrutura retabilística. À
frente da base e adossado a esta, encontra-se o altar [1],
cuja mesa pode ter forma retangular ou trapezoidal. As faces laterais costumam
ser concavas ou convexas.
Na base, a
decoração costuma ser de carater básico, mas da mesma temática do registo
seguinte.
O embasamento
tem como função o suporte do corpo do retábulo, e é um "elemento
determinante para o equilíbrio e harmonia de proporções do conjunto global, mas
que em retábulos de estrutura mais simples pode ser dispensado". [2]
Pode ser
composto por corpos que se posicionam ao mesmo nível, ou apresentar volumes que
se colocam em planos distintos, "(…) a leitura volumétrica e a
movimentação que o retábulo vai apresentar é indicada ou confirmada neste
andar." [3]
Este registo
pode conter um nicho, uma imagem, uma pintura ou um sacrário. Neste último caso
(do sacrário) a decoração contém motivos ligados à Eucaristia - triunfos com
cálices e patenas, turíbulos, folhas e videiras, espigas, etc..
O corpo
é o registo mais importante. Tem uma tribuna ou nicho, onde se eleva o trono
eucarístico, com a custódia no topo, protegida pelo dossel.
O trono
mantém a sua forma escalonada , da época barroca, mas com formato mais simples,
com degraus de linhas geométricas, com ornamentação de motivos clássicos.
Colunas, pilastras e entablamento sã outros elementos presentes. A decoração
encontra-se essencialmente na boca do arco, nas colunas (e proximidades) e no
entablamento, com motivos clássicos: folhas, dentículos, óvalos…
O remate
corresponde à parte que coroa a estrutura retabilística, e tem tratamento
privilegiado, com grande carga iconográfica e decorativa. Os elementos mais
utilizados são os frontões triangulares e curvos, as tabelas sobrepujadas de
frontões e urnas, e as coberturas em forma de cúpula.
A escultura
nos retábulos laterais e no corpo da igreja, desempenham um papel mais
decorativo. Mas nos retábulos-mores tem grande carga iconográfica com imagens
ligadas à Paixão (coluna de flagelação, coroa de espinhos, madeira da Santa
Cruz, pregos da Crucifixão, a esponja e a lança) e a representação das Virtudes.
[4]
A
ornamentação que mais frequentemente se encontra nos retábulos neoclássicos:
·
O loureiro e a oliveira, que desde a antiguidade
simbolizam a Paz;
·
A videira e a espiga, relacionadas com a vida de
Cristo, encontram-se nos sacrários;
·
As palmas são desde a antiguidade símbolo da Vitória,
adquirindo depois um sentido mais cristológico, como a Ressurreição e o
martírio;
·
Folha de acanto e gravinhas, unem-se a plantas;
·
Flores e frutos aplicam-se em grinaldas e festões, ou
saindo de jarras;
·
As flores que mais abundam são as do girassol, rosas,
margaridas, lírios e flor de lis. Estes motivos raramente aparecem isolados.
Costumam entrar em composições com motivos geométricos, molduras, faixas e
filetes.
Os animais
representados são normalmente os Pelicanos e os Cordeiros.
São
frequentes também os instrumentos ligados à Eucaristia, em composições de
painéis decorativos, com elementos como cálices, patenas, custódias, turíbulos,
castiçais com velas e livros. Faixas em cadeia, com círculos, elipses e
quadrados, ligados uns aos outros.
"(…) no
campo decorativo, estamos perante um estilo com uma forte carga hermética. Há
um equilíbrio de tensões, de forças, que é pensado e tratado, no sentido de
nunca haver um elemento decorativo que pese mais do que outro (…)". [5]
[1] Sobre Altar:
"Microcosmos e catalisador do sagrado. Para ele convergem todos os gestos
litúrgicos, todas as linhas arquiteturais (…). É o lugar onde o sagrado se
condensa com mais intensidade”. In CHEVALIER, Jean - Dictionnaire des symboles. Paris: Jupiter, 1974.
Vol 1. p. 143.
[2] CASTRO,
Maria Joana Barbedo Marques Ferreira da Silva Vieira - Retábulos
Neo-clássicos do Porto. Uma proposta tipológica. Dissertação de Mestrado em
História da Arte apresentada à Faculdade de Letras do Porto, 1996. p. 117.
[3] Idem.
[4] A
representação das Virtudes é renovada pela iconografia de Ripa, cuja primeira
edição ilustrada em 1603 e as sucessivas reedições, inspirarão os séculos XVII
e XVIII em toda a Europa.
[5] CASTRO. Ob cit. p. 178.